Dicas Médicas

segunda-feira, agosto 29, 2005

Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), neurose cardiovascular

Será que a personalidade de uma pessoa pode gerar uma doença? Alguns autores dizem que sim. Confira uma das teorias para a gênese da Hipertensão Arterial, essa patologia tão prevalente e causadora de morbidade e mortalidade.

No Brasil não existem estudos de prevalência da hipertensão arterial que analisem todo território nacional. Estima-se que a prevalência de HAS seja de 20% da população adulta (Socesp, 2000).Alguns autores sustentam a hipertensão arterial como uma doença da moderna civilização, na qual a urbanização e conseqüente aglomeração, a perda dos laços familiares e a competitividade são fatores de estresse a ela relacionados. Miller de Paiva (1994) classifica a HAS como neurose cardiovascular. Donnison (1934) examinou 1.000 nativos africanos de 15 a 80 anos e só encontrou um indivíduo hipertenso, porém em boas condições de saúde contrastando com a prevalência em indivíduos civilizados nos quais a grande tensão diária da vida moderna exerce efeito danoso sobre a fisiologia individual. Diversas experiências com cobaias em aglomerações e isoladas demonstraram o aumento da pressão arterial na primeira situação (Henry e Cassel, 1969), assim como foi constatado níveis tensionais elevados em presidiários que compartilhavam celas com outros indivíduos (D´Atri, 1981;Carvalho, 1987).

A regulação da pressão arterial (PA) é uma tarefa adaptativa, daí subentende-se o importante papel do SNC nessa regulação, pois não só coordena o conjunto de órgãos e aparelhos que encarrega-se da regulação como processa as informações vindas do ambiente que vão determinar os ajustes necessários na PA. Postula-se que o indivíduo possui uma hipersensibilidade genética do sistema regulador da PA e em presença de médias e altas quantidades de sal e/ou estresse, responderia hipertensivamente. Para alguns autores, não haveria necessidade de predisposição orgânica, bastando que houvesse uma ação intensa e continuada dos fatores ambientais para o desenvolvimento da HAS (Melo Filho, 1992).

A correlação entre o estresse e HAS é variável de indivíduo para indivíduo, o que corrobora a idéia de que haja uma espécie de filtro (seu sistema de avaliação) através do qual as situações são vistas e avaliadas. Isso implica considerar na gênese do estresse não só fatores externos (situações estressantes) mas também sua personalidade, estrutura e conflitos intrapsíquicos do indivíduo (Melo Filho, 1992).

Franz Alexander (1954) foi um dos primeiros autores a correlacionar a HAS com um tipo de personalidade denominada hipertensiva, que se caracteriza por uma hostilidade reprimida cuja resposta seria a elevação dos níveis tensionais da PA. O hipertenso pode apresentar também um afeto depressivo, dependência dissimulada, passividade, sentimentos pessimistas e dificuldade para externar emoções. A detecção dessas características não justifica por si só a HAS mas revela a presença de um núcleo de tensão, este sim desencadeante ou mantenedor dos elevados níveis da PA. Foi verificada ainda a incidência significativa da influência dos pais de hipertensos cuja predominância de temperamento era a seguinte: preocupados, afobados e irritados, sendo que os filhos apresentavam essas mesmas características (Miller de Paiva, 1950).

Ao identificarmos o núcleo de tensão citado poderíamos otimizar a terapia dos pacientes que possuem HAS “rebelde” ao tratamento medicamentoso.



quarta-feira, agosto 24, 2005

Ética Médica

Um paciente de 3 anos com febre há 1 dia de 38º e dor periumbilical que há 4 horas se localizou em fossa ilíaca direita apresenta ao exame físico dor a descompressão brusca. O hemograma confirma a suspeita clínica.Você como cirurgião diagnostica o quadro como apendicite aguda e comunica aos pais que a realização da cirurgia é uma urgência médica com perigo de vida se não realizada precocemente, mesmo assim os pais não concordam em realizá-la. Qual a conduta correta?

É de bom senso solicitar um parecer de outros colegas para tranqüilizar e esclarecer os pais mas se ainda assim permanecerem irredutíveis a conduta correta é manter a indicação e encaminhar o paciente para a cirurgia.

O Código de Ética Médica no artigo 56 do capítulo V versa que: “É vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo de vida.” O caso àcima se encaixa na exceção do artigo e temos o respaldo legal para tomarmos a conduta sugerida.

É importante esclarecer que o conhecido termo de responsabilidade assinado pelo paciente ou responsável legal não isenta o profissional de sua responsabilidade no caso.“É vedado ao médico isentar-se de responsabilidade de qualquer ato praticado ou indicado, ainda que tenha sido solicitado ou consentido pelo paciente ou seu responsável legal” Artigo 32 do capítulo III do Código de Ética Médica.



quinta-feira, agosto 18, 2005

Prevenção do CA de mama (aproveitando do post da semana passada)



Na realidade esse termo prevenção não é correto, o que pode ser feito é apenas a detecção precoce, uma prevenção secundária. No Brasil o câncer (CA) de mama é a segunda causa de morte em mulheres por neoplasias malignas perdendo na maioria dos estados para o CA de útero. Quando da detecção precoce a sobrevida em 5 anos é de 97% ,ou seja, em 5 anos apenas 3% das pacientes diagnosticadas terão falecido por essa causa.

Métodos para a detecção precoce: a partir dos 20 anos toda mulher deve realizar o auto-exame das mamas. Este deve ser feito sete dias após o término da menstruação. Passos do auto-exame:
  1. Em frente ao espelho observa-se o contorno das mamas a inspeção estática
  2. Levanta-se os dois braços
  3. Mão na cintura
  4. Inspeção dinâmica braços em movimento vertical na lateral do corpo
  5. Palpação da utilizando os dedos da mão contralateral a mama (mama esquerda examinada com a mão direita por exemplo) de forma circular e centrípeta (da parte mais externa para mais próxima ao mamilo) com o braço do mesmo lado da mama estendidos para trás com a mão apoiada na porção posterior da cabeça.
É importante que a mulher conheça sua mama, quando surgir qualquer anormalidade ela deve procurar um médico ginecologista. Além disso é recomendado um exame clínico anual por esse profissional.

A mamografia é o método de escolha para o rastreamento realizado após os 40 anos a cada dois anos e anualmente após os 50 anos para mulheres sem fatores de risco para CA de mama (história familiar positiva principalmente parentes de primeiro grau, menarca precoce e menopausa tardia, uso de contraceptivos orais, história pessoal de hiperplasia atípica –alteração histológica da mama).Para as mulheres com história familiar positiva, planeja-se mamografia a partir dos 35 anos de dois em dois anos.

Apenas 1% dos cânceres de mama ocorrem em homens, sendo comumente diagnosticados tardiamente, dando a falsa impressão de pior prognóstico. Ocorrem preferencialmente na faixa etária de 60-69 anos sendo que algumas doenças aumentam o risco: síndrome de Klinefelter, terapia estrogênica, síndrome dos testículos feminilizantes , trauma e irradiação Para os homens é sugerido que procurem um médico urologista ou oncologista quando observarem anormalidades nas mamas.

terça-feira, agosto 09, 2005

Dona Flor e sua mama


Em janeiro desse ano durante um estágio de Cirurgia Geral do último ano de Medicina conheci dona Flor. Ela tinha seus 56 anos, aparência de dona de casa cansada, cabelos desarrumados e vinha ao Hospital Universitário acompanhada de sua filha em uma tarde sem nada de especial.

Ao iniciar a entrevista perguntei a ela o que sentia, o que a trazia até ali e ela me respondeu que não sentia nada e que vinha por insistência da filha. Já sentada para o exame físico Flor trajava em uma tarde quente uma blusa com mangas compridas e pude observar a inspeção um aumento de volume do lado esquerdo do peito.

Ao retirar a blusa para o exame qual foi a minha surpresa que ficou inevitavelmente estampada em meu semblante: a mama de Dona Flor era a cena mais horripilante que havia visto em minha vida! Possuía 10 cm a mais em relação ao lado esquerdo, possuia fissuras (rachaduras), estava hiperemiada (vermelha), quente a palpação, havia áreas de retração como casca de laranja e sem aoréola, isso mesmo pasmem. A aoréola (bico do seio) havia caído há 1 mês. Como se não bastasse, uma secreção esverdeada abundante e fétida percorria as fissuras e o local no qual estaria a aréola .

Chamei meus colegas para ver a cena e todos ficaram chocados. Prossegui o restante do exame físico, fiz a solicitação dos exames laboratoriais complementares e chamamos (eu e o residente) o oncologista para avaliação pois ela ficaria internada devido ao estado geral comprometido.

Havia chegado o momento de conversar com dona Flor, com a família (filha) e falar sobre sua situação e nossa conduta. Antes de voltar a sala onde estava Flor, sua filha me abordou perguntando se o diagnóstico era de câncer, respondi que sim, que infelizmente ela estava no estágio IV de câncer de mama, o mais avançado e que viveria em média 24 meses. A filha com a feição angustiada me pediu por favor para que não contasse a sua mãe o diagnóstico, expliquei que ela poderia falecer em breve e seria melhor que soubesse de sua condição clínica, finalmente ela aceitou.
Ao dar notícia pra Dona Flor, que reagiu de forma apática, perguntei porque ela havia ficado tanto tempo sem vir ao médico e ela me respondeu que há 1 ano aquele seio havia" inflamado "e ela havia ido em uma igreja e recebido uma oração de cura feita pelo pastor e ela acreditava estar curada, por isso acreditava que aquela "inflamação" desapareceria em breve, isso a fazia esconder o quadro da família e não havia motivo pra procurar o médico.

Ela internou no final de meu plantão e conversando com o oncologista em outra oportunidade recebi a informação que dona Flor havia falecido após duas semanas de sua internação por conta de um sangramento como complicação da quimioterapia e de sua condição clínica.

Há muitos aspectos a serem discutidos nessa história: prevenção, complicações do tratamento, nível intelectual e cognitivo da população, como a família e o paciente enfrentam o câncer, aspectos éticos do diagnóstico médico, influência religiosa. Comentarei por agora apenas que sua história me marcou pois representa o quanto somos ainda vitimados pela falta do desenvolvimento sócio-cultural-intelectual. Em pleno século XXI uma mulher morre aos 56 anos sem idéia de seu estado e sem saber que seu mal é curável se detectado precocemente, milhões de reais investidos em exames complementares e no desenvolvimento tecnológico da Medicina se rendem ao analfabetismo social de nosso povo.

segunda-feira, agosto 01, 2005

Alzheimer

A doença de Alzheimer é a principal causa de demência da faixa etária senil e pré-senil atingindo 1 a cada 1000 pessoas com mais de 60 anos e 1 a cada 100 com mais de 60 anos.

Demência é uma síndrome (conjunto de sinais e sintomas) caracterizada pela perda da capacidade cognitiva, ou seja, perda das funções cerebrais importantes para a realização de tarefas (memória recente, linguagem, raciocínio, reconhecimento e solução de problemas) e o aprendizado.

O declínio progressivo da função cognitiva pode fazer parte do processo de envelhecimento normal, mas deve ser diferenciado do prejuízo notado nas demências e mais especificamente no Alzheimer que se caracteriza por perda da função cerebral incompatível com a idade. Ao longo de 8-10 anos de evolução da doença sem tratamento o paciente pode perder a noção de orientação no tempo e espaço, e até de sua identidade.

No caso do Alzheimer a perda da memória recente é um dos sintomas evidentes, ocorre também apraxia ideomotora (incapacidade de repetir e executar gestos), apraxia construcional (vestir-se, comer, operar instrumentos), diversos graus de afasia (dificuldade da fala), anomia (incapacidade de nomear), anosognosia (não reconhece a própria doença), pode haver hipersexualidade, agressividade ou apatia. Uma característica que a diferencia de outras demências é a ausência de distúrbios motores. A evolução da doença é lenta, quadros agudos e de piora súbita sugerem etiologia vascular.

É importante que a família perceba os sintomas pois uma das características da demência como já dito é que o paciente não reconhece seu déficit. Antes de o médico, em geral psiquiatra ou neurologista, dar o diagnóstico de Alzheimer é necessário uma investigação laboratorial para excluir as causas tratáveis de demência que podem ser revertidas. Constituem-se como causas tratáveis: hipotireoidismo, deficiência de vitamina B12, neurossífilis, complexo de demência relacionado a AIDS, tumores cerebrais, hicrocefalia normobárica.


O tratamento não detém a evolução da doença, medicamentos quando utilizados no início do quadro controlam os sintomas e melhoram a qualidade de vida.